A aplicação do “Fato Príncipe” na crise do coronavírus
Notícias • 19 de Junho de 2020
Tem suscitado muitas dúvidas e discussões hodiernamente, após citação do Presidente da República, a possibilidade de aplicação do denominado Fato do Príncipe (factum principis) no atual cenário ao qual estamos submetidos, o da pandemia pelo novo coronavírus.
A manifestação consistiu na assertiva de que todo o empresário que se viu obrigado a manter seu estabelecimento fechado por aplicação de decisão do chefe do executivo estadual e/ou municipal, poderia reivindicar a condição de que o ente estatal arcasse com as indenizações decorrentes da cessação das atividades.
Cumpre salientar, que o denominado Fato do Príncipe se refere à situação prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 486, que dispõe em seu texto:
Art. 486 – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
O artigo discorre sobre uma situação atípica, onde na contingência da empresa seja submetida a um prejuízo financeiro desproporcional, decorrente da aplicação de medidas decretadas pelas autoridades governamentais, sem preterir da prudência e de análise técnica adequada, estará o empregador habilitado a rescindir os contratos de seus empregados tendo como fundamentação o “Fato do Príncipe”.
Na aplicação Direito do Trabalho, em particular, são escassos os casos em que há cabimento de ação com amparo no Fato do Príncipe, como condição de eximir de responsabilidade o empregador, com propósito de incumbir o Estado da obrigação de indenizar os danos sofridos pela ruptura contratual.
Na atual conjuntura, a decretação de isolamento social e restrição da circulação de pessoas gerou a paralisação empresarial em vários estados e inúmeros municípios, são o resultado de uma preocupação com a saúde pública e com a possibilidade de saturação do sistema público de saúde, seguindo, inclusive, orientação da Organização Mundial de Saúde, a fim de evitar a propagação do novo coronavírus o COVID-19 seja disseminado pela população.
A adoção destas medidas tem por objetivo evitar que o Estado não desfrute de capacidade para suportar a alta demanda de contaminados, que resultaria na superlotação de hospitais, ausência de leitos e equipamentos, carência de espaço para sepultamento em cemitérios, melhor dizendo, uma questão de
contenção implementada pelo Estado para conter o problema e obstar que ele se revista de dimensões ainda maiores.
Salienta-se que, em que pese, a circunstância apresentar um dos requisitos estipulados para a aplicação do Fato do Príncipe, a força maior, o que, ao menos em tese fundamentaria a aplicabilidade desse instituto, é fato notório que o Estado, através de seu gestor, não elegeu uma única atividade empresarial ou um grupo de serviços, e sim decretou uma ampla gama de medidas dentre as quais a imposição de paralisação das atividades, com exceção dos serviços considerados essenciais.
Consequentemente, não se vislumbra a possibilidade, nesse momento e cenário, na possibilidade de aplicação do Fato do Príncipe, visto que, conforme previsão legal no art. 2, §2º da CLT e no art. 170, III da CF, o risco da atividade econômica é do próprio empregador, não sendo possível repassá-lo a terceiro.
Desta forma, entende-se que o Fato do Príncipe não pode ser aplicado na circunstância atual, dado que não se pode transmitir este ônus para órgão da administração pública, a menos que demonstrado, de maneira cabal, o que no caso em apreço é de extrema controvérsia e de difícil aplicação diante do estado de calamidade pública instituído pelo Decreto Legislativo 06/2020 e da emergência de saúde pública de importância internacional.
Anesio Bohn
OAB/RS 116.475
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