Casos de assédio eleitoral no ambiente de trabalho devem disparar neste ano

Notícias • 27 de Agosto de 2024

Casos de assédio eleitoral no ambiente de trabalho devem disparar neste ano

Ministério Público recebeu, até julho, 89 denúncias sobre o assunto

O número de processos por assédio eleitoral no ambiente de trabalho pode disparar este ano. O Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu, até julho, 89 denúncias sobre o assunto. Até o mesmo mês de 2022, ano das eleições presidenciais, foram registradas apenas 2. Como o volume avança à medida que as eleições se aproximam, o recorde de 2022, de 3,2 mil denúncias, poderá ser batido.

Em 2022, o MPT publicou relatório contando 68 denúncias de assédio eleitoral até 3 de outubro, 2,6 mil até 29 de outubro e só na antevéspera do segundo turno, dia 28 daquele mês, foram registradas 265 denúncias. O balanço anual chegou a 1,4 mil recomendações expedidas a empresas, 80 ações civis públicas ajuiza e 487 termos de ajuste de conduta realizados.

Para as eleições deste ano, algumas novidades podem incentivar denúncias. O Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) publicou em abril do ano passado a Resolução nº 355, que obrigou a abertura de canais de denúncia pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e comunicação dos casos à cúpula da Justiça do Trabalho. E em abril deste ano, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) editou a Recomendação nº 110, que orienta a categoria a processar casos de assédio eleitoral trabalhista.

“Não é um fenômeno novo, existe desde os tempos do coronelismo, do voto de cabresto. A diferença é que antes o tema era tratado na Justiça Eleitoral e agora chegou à Justiça do Trabalho”, diz a procuradora do trabalho Adriana Cutrim. Ela conta que o tema entrou em evidência com as redes sociais. São comuns, afirma, vídeos mostrando empregados reunidos na empresa para atos políticos promovidos pelo empregador.

A definição da prática está no artigo 2º da Resolução nº 355, de 2023, do CSJT. De acordo com o dispositivo, “considera-se assédio eleitoral toda forma de distinção, exclusão ou preferência fundada em convicção ou opinião política no âmbito das relações de trabalho, inclusive no processo de admissão”.

Relator do “leading case” sobre o tema no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o caso da varejista Havan (processo nº 195-85.2020.5.12.00 46), o ministro Alberto Balazeiro avalia que a diferença hoje é que o combate ao assédio eleitoral foi “institucionalizado” e incorporado pela Justiça. A prática passou a ser vista como um tema de relevância, como já ocorreu no passado em relação ao racismo e à igualdade de gênero.

“A Justiça do Trabalho tomou ciência da gravidade do problema”, afirma Balazeiro. “Em relações de poder, há risco de influência indevida”, acrescenta. Do ponto de vista do empregador, o importante é perceber que, quando há relações hierárquicas, o tema da política deve ser tratado com parcimônia. “Existe uma relação de dependência econômica.”

No precedente do caso da varejista Havan, julgado pela 3ª Turma do TST este ano, o assédio eleitoral foi definido e tratado como modalidade de assédio moral. “A figura do assédio eleitoral no ambiente de trabalho pode ser definida como o abuso de poder patronal, por meio de coação, intimidação, ameaça ou constrangimento, com o objetivo de influenciar ou mesmo impedir o voto dos trabalhadores”, diz o acórdão.

Do lado das empresas, há maior preocupação em evitar que encarregados causem prejuízos gerando indenizações trabalhistas e crises de imagem. A busca por consultorias específicas para tratamento do assédio eleitoral em compliance trabalhista disparou em 2022. Este ano, a expectativa é que o tema volte a ter maior atenção.


"Não é um fenômeno novo, existe desde os tempos do coronelismo”
— Adriana Cutrim

A advogada Mariana Rabelo, sócia do Ubaldo Rabelo Advogados, conta que em 2022 foi contratada por uma grande indústria para fazer treinamentos e consultoria de prevenção ao assédio eleitoral no ambiente de trabalho. “A relevância do tema entrou na pauta do Judiciário. A Justiça olha de um lado a igualdade de oportunidades do candidato, e de outro lado, a liberdade de escolha do cidadão”, afirma.

O ponto, diz a advogada, é identificar qual tipo de conduta do empregador viola garantias dos empregados. O que a Justiça tem entendido é que mesmo pressões indiretas, como declarações de que a empresa “vai fechar”, entrar em crise ou demitir se determinado candidato for eleito, podem ser vistas como assédio eleitoral. “Não é preciso haver uma coação direta a um determinado empregado.”

Comentários impositivos, brincadeiras e piadas podem ser classificados como assédio eleitoral no ambiente de trabalho, principalmente quando vindos de gestores, alerta Matheus Quintiliano, coordenador da área trabalhista do Velloza Advogados. A prevenção, afirma, inclui cursos, orientações e medidas punitivas e protetivas - como canal de denúncias.

“As políticas devem ser claras ao conceituar o assédio eleitoral e prever que a prática de tais atos, além de ensejar uma responsabilidade cível e criminal ao autor, podem causar a aplicação de medidas punitivas, desde advertências, suspensões até a demissão por justa causa”, diz Quintiliano.

Líbia Alvarenga de Oliveira, sócia da área trabalhista do Innocenti Advogados, afirma que as consultas sobre o tema começaram em 2022 não só de empresas, como de sindicatos, pegos de surpresa com a disparada nas denúncias de assédio por associados. Do ponto de vista das empresas, acrescenta a advogada, o importante é investigar a atuação dos encarregados, conscientizar e tomar providências formais, como a assinatura de termos de compromisso.

“Geralmente o assédio eleitoral é fácil de identificar, nunca é uma conduta velada. Conversas, ‘lives’, vídeos exibidos no horário de trabalho, ameaças, obrigar a usar roupa ou adereço do candidato e até pedir prova de voto”, exemplifica Líbia.

Entre os juízes do trabalho o tema também é mais conhecido, avalia Ney Maranhão, juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) e diretor da Academia Brasileira do Direito do Trabalho (ABDT). “Na relação de emprego é um tema que sempre existiu, mas a polarização e a conscientização canalizaram as demandas para a Justiça e fizeram o tema fervilhar", diz.

Fonte: Valor Econômico

César Romeu Nazario

OAB/RS 17.832

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