Justiça mantém relatório de transparência salarial

Notícias • 14 de Março de 2024

Justiça mantém relatório de transparência salarial

Pelo menos duas entidades empresariais já recorreram ao Judiciário

Pelo menos duas entidades empresariais já recorreram ao Judiciário para questionar a divulgação do relatório de transparência salarial em sites e redes sociais das empresas. Um dos pedidos, porém, ajuizado pelo Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Vestuário do Paraná, foi negado. A outra ação é da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

A divulgação desses relatórios foi prevista pelo Decreto nº 11.795, de novembro de 2023, que regulamentou a Lei de Igualdade Salarial (nº 14.611 de 2023). A publicação deve ocorrer neste mês.

Ontem, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) prorrogou até o dia 8 o prazo para que as empresas com cem ou mais funcionários façam o preenchimento ou retificação das informações adicionais para elaboração do relatório de transparência salarial. Os dados serão analisados pelo órgão e deve haver a devolução de um relatório para a publicação. O documento vai considerar também informações inseridas no eSocial.

O receio das empresas está em expor informações sensíveis à concorrência e em haver violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP), que prevê multa de até R$ 50 milhões por infração. Porém, caso a companhia não publique o relatório de transparência, fica sujeita a multa administrativa de até 3% da folha de salários, limitado a 100 salários mínimos - hoje R$ 140 mil. Além de multas em casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.

O pedido do Sindicato Intermunicipal das Indústrias do Vestuário do Paraná foi analisado pelo juiz Carlos Martins Kaminski, da 20ª Vara do Trabalho de Curitiba (PR). Ele levou em consideração que toda a fundamentação “consiiste em dirigir o convencimento do julgador à declaração de inconstitucionalidade do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023, seja formal, seja materialmente.” Porém, acrescenta, de acordo com a Súmula 266 do Supremo Tribunal Federal (STF), “não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.

O magistrado ainda destaca que o sindicato não demonstra “a existência de direito líquido e certo, tampouco ato abusivo ou ilegal, na medida em que qualquer atuação da dita autoridade coatora amparar-se-á em ato normativo que goza de presunção de constitucionalidade e legalidade” (processo nº 0000124-79.2024.5.09.0029). A defesa da entidade foi procurada, mas não deu retorno até o fechamento da edição.

De acordo com o advogado trabalhista Jurandir Zangari Junior, do Zangari Advogados, a denegação do mandado de segurança ocorreu sob fundamentos estritamente processuais. “O juiz não analisou os argumentos de mérito levados pelo sindicato, ou seja, se houve violação a princípios como a livre iniciativa, concorrência e ao devido processo legal”, diz.

Para ele, ainda deve crescer a judicialização sobre o assunto. Um dos problemas, afirma, é que podem haver discrepâncias na análise do Ministério do Trabalho, ao levar em consideração os cargos contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com as respectivas atribuições.

No caso de advogados, por exemplo, existe um CBO único para a profissão. Por isso, poderá não ser possível distinguir se o profissional é júnior, pleno ou sênior. “O CBO é uma classificação muito ampla e pode causar distorções, apurando diferenças que seriam formais e não em razão de discriminação”, diz Zangari.

O advogado Rodrigo Takano, do Machado Meyer, concorda. Para ele, a decisão não examina os problemas decorrentes da metodologia e do modelo que o Ministério do Trabalho utilizará. “Dessa forma, o tema ainda continua aberto e as empresas deverão continuar avaliando medidas judiciais a serem utilizadas após a disponibilização dos seus relatórios pelo MTE, de acordo com a realidade individual de cada empresa”, afirma.

A Fiemg resolveu entrar com um processo na terça-feira. Na ação, a entidade alega que a medida viola diversos direitos, inclusive das mulheres, com o risco de tornar públicos os salários. A ação foi distribuída para o juiz Guilherme Mendonça Doehler, da 10ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte. Ainda não há decisão (processo nº 6008977-76.2024.4.06.3800).

De acordo com o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, “o governo optou pela mediana salarial, mas existem cargos nos quais temos apenas um empregado por função. Assim, ao publicar a tabela, estaríamos divulgando o salário desse empregado, violando a LGPD”.

Essa discussão, segundo Fabio Medeiros, do Lobo de Rizzo, seria de competência da Justiça Federal, já que o artigo 114 da Constituição diz que a Justiça do Trabalho só poderia julgar autuações fiscais do Ministério do Trabalho.

Na opinião de Medeiros, as lacunas na legislação sobre o relatório de transparência salarial são muito mais amplas que os riscos de multas. “Elas envolvem a falta de segurança jurídica quanto ao que está exatamente sendo perguntado no questionário para a declaração”, diz ele, acrescentando que, em relação ao relatório, não se sabe se haverá direito de as empresas terem ciência e poderem revisar os dados antes de serem obrigadas a publicá-los.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

César Romeu Nazario

OAB/RS 17.832

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