Número de processos sobre discriminação por etarismo dispara na Justiça do Trabalho
Notícias • 01 de Novembro de 2024
Levantamento mostra que, entre 2018 e 2023, o volume anual passou de 3 para 403 ações
trabalhistas que tratam de discriminação em razão da idade - o chamado etarismo - disparou nos últimos anos. Em 2023, foram registradas 403 ações com esse tema. Cinco anos antes, em 2018, havia apenas três, segundo levantamento feito pelo escritório Trench Rossi Watanabe por meio da plataforma de jurimetria Data Lawyer, obtido com exclusividade pelo Valor.
A tendência, segundo especialistas da área, é a quantidade crescer ainda mais em 2024, que já registrou mais de 340 casos sobre o assunto até o fim de setembro. E a jurisprudência, acrescentam, é favorável ao trabalhador. As decisões de primeira e segunda instâncias e até do Tribunal Superior do Trabalho (TST) garantem reintegração ou compensação financeira.
O valor das indenizações pleiteadas também aumentou exponencialmente. No ano de 2018, por exemplo, foi registrado um total de R$ 4,47 milhões e, em 2023, R$ 174,64 milhões. Este ano, os valores das causas já somam R$ 79,6 milhões, conforme o levantamento feito pelo Trench Rossi Watanabe.
Um desses casos é o de uma auxiliar de limpeza que alegou discriminação por parte do supervisor. Uma testemunha do processo, que tramita na 2ª Vara do Trabalho de Araçatuba (SP) confirmou que o gerente “era uma pessoa dura”, que vivia “zombando dos funcionários”, dizendo que a ajudante “não servia mais para trabalhar porque estava velha”.
Com base nessa e outras provas, a juíza Suzeline Longhi Nunes de Oliveira, decidiu de forma favorável à trabalhadora. Para a magistrada, “a conduta do supervisor, agindo com etarismo, desqualificando o trabalho da reclamante junto aos colegas, implica tratamento inconveniente e desrespeitoso, e merece censura, mediante o arbitramento de indenização, com o objetivo de compensar os naturais e previsíveis transtornos suportados pela parte reclamante e também com a finalidade de inibir semelhantes comportamentos”.
A sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas (SP), por unanimidade. A 4ª Câmara ainda majorou o valor dos danos morais a serem pagos, de R$ 3 mil para R$ 6,5 mil. Também foi concedido adicional de insalubridade de 40% sobre o salário mínimo por falta de equipamento, como luva, para a limpeza de banheiros (processo nº 0010487-95.2023.5.15.0061).
Em outra ação, a sentença deu razão a um recepcionista que pedia danos morais por ter sido assediado pela gerente “por meio de etarismo e ócio forçado”. O juiz Adib Pereira Netto Salim, da 2ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), lembrou que “a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação é direito fundamental e integra o rol de core obligations [obrigações básicas] da OIT [Organização Internacional do Trabalho]”.
A prática discriminatória também foi confirmada por testemunha. Ela indicou demora em se fornecer senha de acesso ao sistema, perseguição e ofensas em razão da idade e das dificuldades do reclamante em desempenhar as atividades, já que não havia recebido treinamento prévio, o que fez o juiz arbitrar a condenação em R$ 3 mil (processo nº 0001225-50.2023.5.17.0002).
Segundo advogados, o principal motivo para o aumento dos processos é o convívio inédito de seis gerações no mercado de trabalho, o que propicia divergências. A rotina entre veteranos nascidos até a segunda guerra mundial (1945), com os “babies boomers”, geração X, millenials e as gerações mais jovens, Z e alpha, esta última nascida a partir de 2010, expõe as diferentes visões de mundo dos funcionários, criados em contextos históricos diversos, além de regime e formas de trabalho quase opostas.
Outro motivo é a popularização dos princípios de governança ambiental, social e corporativa (ESG) que têm sido mais adotados pelas empresas e estimulando a admissão de trabalhadores mais plurais. Ao buscar promover equidade, tornam-se mais frequente conflitos geracionais que podem terminar em litígio.
Justiça é favorável ao trabalhador, desde que comprovada a discriminação”
— Antonio Vasconcellos
Para a advogada Leticia Ribeiro, sócia do Trench Rossi Watanabe, a presença de funcionários mais jovens tem influenciado a alta das ações por saberem melhor os limites e o que pode ser questionado no ambiente laboral. “O nível de tolerância para fins de qualidade no ambiente de trabalho está maior hoje em dia, a régua está mais exigente e não só para os mais jovens. Os mais sêniores estão mais à vontade para trazer esses questionamentos”, afirma. “Antigamente era difícil ver as pessoas trazerem esse debate para a Justiça do Trabalho.”
Segundo a advogada Priscila Kirchhoff, também sócia do escritório, o crescimento está relacionado a uma aplicação cada vez mais frequente da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que presume a dispensa discriminatória em caso de doenças graves, como o HIV. Apesar de não dispor sobre etarismo, ela promoveu o debate sobre demissões por preconceito.
Não há exatamente uma lei específica sobre etarismo, mas decisões favoráveis aos trabalhadores tomam como base a Lei nº 9.029/1995. Ela proíbe, em seu artigo 1º, “qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”.
Além desse dispositivo, o Judiciário leva em conta a própria Constituição Federal, que no artigo 3º, IV, dispõe sobre o assunto e a CLT, no artigo 373-A. Há ainda a Lei 10.741/2003, conhecida como Estatuto do Idoso, que veda a discriminação específica por idade e a fixação de um limite máximo para admitir ou manter uma pessoa no quadro de empregados. “É um arcabouço jurídico bastante robusto”, afirma Leticia.
Para Priscila, a preocupação em manter trabalhadores em faixa etária superior é uma tendência global, já consolidada nos Estados Unidos, com a criação em 1967 do ADEA (Age Discrimination in Employment Act ou Ato de Discriminação por Idade no Trabalho, em português). “Ele dá proteção a empregados com mais de 40 anos para que não sejam dispensados e sofram os prejuízos pela idade”, afirma.
Ela cita uma lei similar no Japão, que obriga a manutenção de empregados até 65 anos. “Já existe uma tendência lá de aumentar esse número para 70 anos e toda uma iniciativa de manter as pessoas trabalhando para evitar esse tipo de discriminação”, completa.
De acordo com o advogado Antonio Vasconcellos Junior, sócio-fundador da AVJ Advogados, a maioria das decisões na Justiça do Trabalho é favorável aos funcionários, desde que comprovada a discriminação. “Na maioria das vezes, se comprova pelas testemunhas o ato praticado ou pelo procedimento da empresa”, afirma. “E quando não se reconhece a indenização, é justamente pela falta de prova do preconceito”. As indenizações podem chegar a 50 salários mínimos do empregado, segundo o artigo 223-B da CLT, lembra ele.
Na visão do advogado, os casos aumentaram nos últimos anos por conta da pandemia da covid-19. “As pessoas com idade mais avançada começaram a buscar novas oportunidades no mercado formal ou foram desligadas por conta da idade”, diz. Uma forma de combater esse tipo de discriminação, segundo ele, seria pela criação de políticas públicas para incentivar as empresas na contratação de pessoas mais velhas.
FONTE: Valor Econômico
César Romeu Nazario
OAB/RS 17.832
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